Justiça ambiental e litigância climática ganham destaque em evento do Judiciário de MT

Justiça ambiental e litigância climática ganham destaque em evento do Judiciário de MT

A Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT) promoveu nesta quinta-feira (18 de julho), das 8h às 11h, o II Webinário do Eixo Ambiental, com o tema “Direito Ambiental em Construção: a jurisprudência como fonte de consolidação conceitual e normativa”. Realizado de forma virtual pela plataforma Microsoft Teams, o evento integrou a proposta pedagógica da Escola para o biênio 2025-2026 e reuniu magistrados, operadores do Direito e especialistas na área.

Na abertura, o desembargador Rodrigo Curvo, coordenador do Eixo Ambiental, destacou que o objetivo da formação é aprimorar a atuação judicial diante dos desafios ambientais contemporâneos.

“Estamos diante de um contexto de emergência climática que exige uma atuação mais técnica, crítica e sensível por parte do Judiciário.”

Crise climática e litigância como resposta

A professora-doutora Patrícia Perrone Campos Mello, da UERJ e do CEUB, e assessora do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso , foi responsável pela primeira palestra, intitulada “Contextualizando a função da jurisprudência das Cortes Democráticas à tutela do meio ambiente”.

Logo no início, ela alertou que estamos vivendo uma crise sem precedentes. “O aumento das enchentes, das secas, das queimadas e das ondas de calor mostra que os impactos ambientais estão cada vez mais intensos. É uma crise da nossa época e, mais do que isso, é uma crise geracional que afeta especialmente os mais vulneráveis”.

A professora apontou que essa crise global gera desigualdades profundas e está diretamente relacionada à emergência da litigância climática, por meio da qual cidadãos e entidades buscam responsabilizar o Estado e empresas pela inércia frente à degradação ambiental.

“A litigância climática não é uma escolha, é uma necessidade. Ela surge para preencher o vácuo de políticas públicas eficazes e forçar os poderes constituídos a adotarem medidas concretas de mitigação e adaptação”.

Ela defendeu que o Judiciário tem um papel essencial na consolidação de conceitos e na interpretação das normas ambientais.

“O Direito Ambiental depende da jurisprudência como espaço de construção, onde o direito ganha densidade e se transforma em comando efetivo.”

Da abstração à concretização: o Direito Ambiental como campo de disputas concretas

Na sequência, o procurador do Estado e professor da UFMT, Patryck de Araújo Ayala, ministrou a palestra “Aspectos Conceituais do Direito Ambiental no Discurso Jurisdicional: da Abstração à Concretização Judicial”. Ele abordou a complexidade do enfrentamento das crises ambientais e a necessidade de repensar o papel do Direito frente à multiplicidade de conflitos socioecológicos.

“O direito ambiental que pretendemos alcançar responde a um tipo de demanda distinta. Para isso, é fundamental sabermos onde está a crise, e ela não é apenas ecológica. Lidamos com crises socioambientais, crises de invisibilidade, de anonimato, e com conflitos que têm rostos, histórias e realidades muito concretas”.

O professor criticou a visão reducionista que separa natureza e sociedade. “Não podemos dividir. A crise ambiental precisa ser compreendida como uma realidade que nos afeta diariamente. Há pelo menos 40 anos, os problemas ambientais estão diretamente associados à economia, à desigualdade e aos direitos humanos”.

Ele citou julgados internacionais paradigmáticos, como o caso das crianças que processaram o Estado de Montana (EUA) pela instabilidade climática, e o caso do rio Atrato, na Colômbia, reconhecido como sujeito de direitos.

“Esses precedentes mostram que há uma nova gramática em construção: a de um Direito Ambiental que reconhece a vulnerabilidade de grupos como crianças, comunidades tradicionais e povos indígenas. Um direito que busca atribuir voz a quem não tem voz, inclusive à própria natureza”.

Ayala também alertou para os estereótipos que permeiam os discursos judiciais. “Não é incomum encontrarmos nos tribunais personagens que não existem de fato, como o ‘ambientalista’ ou o ‘produtor rural’ idealizados. É preciso desconstruir essas figuras e compreender a realidade concreta dos conflitos.”

Por fim, ele defendeu um Direito Ambiental comprometido com a dignidade da vida humana e com a justiça ambiental. “A dignidade é inviolável. O Direito Ambiental não pode ser um direito residual, nem pode proteger exclusivamente políticas produtivas. Ele deve ser um direito que enfrente os danos, que assegure o uso racional dos recursos naturais e que construa um novo pacto civilizatório, como já sinalizado por constituições como a do Equador”.

Durante o debate, o desembargador Jones Gattass Dias levantou uma questão sobre os riscos de retrocessos na legislação ambiental diante de propostas como a nova Lei Geral de Licenciamento. “Como vemos o avanço de medidas contrárias à proteção ambiental? Será que não voltaremos atrás com essa nova lei?”, indagou.

Em resposta, o professor Patryck Ayala alertou que o texto da proposta representa um desafio significativo. “Um dos principais problemas é que ela coloca em segundo plano o dever do Estado de avaliar riscos. Já há precedentes no Supremo Tribunal Federal reconhecendo a inconstitucionalidade de normas que enfraquecem esse dever. O Brasil se prepara para sediar a próxima COP, e nenhum país tem conseguido cumprir integralmente as metas de 2030. Por isso, é fundamental reafirmar o princípio da vedação ao retrocesso em matéria de proteção ambiental”, concluiu.

Reflexão e compromisso institucional

Após as exposições, o desembargador Rodrigo Curvo elogiou os palestrantes e destacou a importância do aprofundamento teórico e prático dos temas discutidos.

“A fala da professora Patrícia foi profunda e esclarecedora. A palestra do professor Patryck nos trouxe a densidade e complexidade dos desafios que enfrentamos no campo jurídico-ambiental. São reflexões que nos chamam à responsabilidade institucional.”

Participaram também do webinário os desembargadores Vandymara Galvão Ramos Paiva Zanolo e Jones Gattass Dias, que reforçaram a relevância do tema e o papel estratégico do Poder Judiciário na proteção dos direitos difusos e coletivos, sobretudo diante da emergência climática.

O evento integra o calendário formativo da Esmagis-MT, sob a direção do desembargador Márcio Vidal, vice-direção da desembargadora Anglizey Solivan de Oliveira, e coordenação do Eixo Ambiental pelo desembargador Rodrigo Curvo.

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